segunda-feira, 14 de outubro de 2013

pic by Coachella
-"E depois?"
-" Depois não, foi o início...
...Então, ela estava sozinha no café, a ler, como sempre, para ela não havia melhor companhia que um bom livro, era meia solitária...mas sentia-se bem assim. Fumava, entre o desfolhar das páginas ásperas e as pausas entre frases que a faziam viajar... parava, olhava lá para fora (chovia lá fora) e repetia na sua cabeça o que tinha lido e interpretava-o e transportava-o para a sua vida que ora achava monótona, ora complicada de mais. E esse livro que ela estava a ler era daqueles que mexem tanto por dentro que não apetece nunca que cheguem ao fim (ela tinha uns quantos por acabar...), e aquele capitulo, em especial estava a ser arrastado...porque, como ela dizia, era orgásmico perder-se no sabor de cada palavra. Entre as viagens, as páginas ásperas, o café e os cigarros caiu-lhe o isqueiro ao chão. Ele ía a passar e apanhou-o, ao levantar-se, devagarinho olhou para a capa do livro, reconheceu-o e sorriu-lhe. Entregou-lhe o isqueiro, ela retribuiu o sorriso e agradeceu. Durante uns segundos ficaram assim, ele hesitou na sua caminhada até á mesa do lado e ela no desviar o olhar de novo para as páginas de papel reciclado. -"Bom livro esse" - conseguiu ele dizer. -"Já leste?"- respondeu ela. Daquelas perguntas que podem dar azo a uma conversa, e assim foi, mais uns minutos de pé até ela dizer -"Podes-te sentar, se quiseres". E conversaram sobre livros, histórias e contos, até o sol se pôr.
 -"E depois?!"
-"Eh eh..agora sim, podes perguntar isso. 
Depois combinaram café para o dia seguinte, e o seguinte, e o seguinte...e conversávam. E ele fazia-a rir, e ela não precisava de usar muitas palavras para ele a perceber. E ela não esperava nada dele e ele não esperava nada dela...e a descoberta, a cada dia, a descoberta era doce e empolgante como as palavras daquele livro que eles tinha lido. Tinham alguns gostos em comum, a música essencialmente e vibravam com outras coisas que o outro desconhecia, mas rapidamente passou a conhecer. E mostravam-se, e tinham sede de descoberta, de descobrir o mundo. A eles, um ao outro, descobriam-se devagarinho...sem pressa e com intensidade...cada recanto da alma e do corpo. É como se ainda os estivesse a ver agora...ás vezes pareciam duas crianças... agachados ao lado de uma estrada a olhar para as cores tipo arco-íris que o óleo deixa no alcatrão molhado, ficavam eternidades a admirar coisitas que me eram tão banais que nem nelas reparava. Brincavam com bolas de sabão, seguiam e ficavam a admirar o comportamento de alguns insectos que repugnam a maioria das pessoas, na rua ou no lixo da rua encontravam sempre algo que acabavam por transformar em coisas úteis ou obras de arte, para chamar um ou outro atiravam pedrinhas á janela e até tinham um assobio comum que reconheciam de imediato. 
Lembro-me numa madrugada de chuva, estavamos os três sentados em silêncio numa paragem de autocarro (parámos um pouco no caminho para casa após uma noite de copos) a ouvir a água que batia suavemente na vidraça daquele casebre temporário. (Aprendi com eles a saborear essas pequenas grandes dádivas do dia-a-dia.) Ele levantou-se, olhou-a nos olhos e estendeu-lhe a mão, ela sorriu, deu-lhe a mão e seguiu-o...foram para o outro lado da estrada, havia árvores e uma clareira, onde caía a chuva, para onde a levou. 
(Vês esta pele de galinha?!...quando me lembro disso ainda me arrepio...)
De mãos dadas, a mão dela no ombro dele, a dele nas costas dela, e suavemente os corpos, próximos, começaram a balançar em sintonia, a chuva, a dança e a música que lhes vinha do coração e só eles ouviam. Houve magia, cumplicidade, amor, paixão e eternidade naqueles minutos..."

1 comentário:

Diana Peça disse...

Que texto maravilhoso :) *